sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Entrevista: música e produção cultural

Pesquisador e crítico musical. Instrumentista e compositor com obras publicadas em países como Alemanha e Itália. Sem meias palavras, arrasa observando que o papel do Estado é muito importante para a propagação da cultura de um país. Leonardo Boccia é professor do programa de pós-graduação em artes cênicas da Universidade Federal da Bahia, e já mora há 30 anos no Brasil. Em entrevista exclusiva, ao Blog Noite Ponto Som, ele fala sobre o livro que recentemente lançou: Choros da humanidade. Música e farsa cultural, bem como comenta sobre política e produção cultural, indústria e espetáculo. Eis à entrevista.

NOITE PONTO SOM - No livro - Choros da humanidade. Música e farsa cultural-, o senhor aborda que música não é apenas música. Como esta afirmativa, se reflete na produção desse trabalho?

Leonardo Boccia -
A afirmação música não é apenas música está envolvida no contexto em que se toca um repertório mais profundo no ser humano. De forma, que as vibrações não são vistas entrando na percepção humana, nos seus mais diversos aspectos. Usado para despertar certas emoções, isso já, vinha sendo estudado na renascença, na Europa. Ou seja, formas contraditórias ou, até mesmo, ambíguas de sentirmos algo, mas, que na verdade não estão sendo vistas. Nesse sentido, a música é muito perigosa. Se mal utilizada pode dizer algo que não existe. A música tem um poder de convencimento extraordinário. Por exemplo, os filmes que têm trilhas sonoras, são muito mais significativos do que a própria imagem. Os filmes de Hollywood são um desses casos. Já que, geralmente, têm trilhas sonoras muito bem elaboradas, às vezes, feitas por grandes orquestras. E, as emoções, que achamos que estamos vendo no filme. Na verdade, estamos ouvindo, porque, são tocadas pelas vibrações. Se, por exemplo, fizer um teste, e tirar a música de um filme perceberá que as imagens, às vezes, são bobas ou quase insignificantes.

NPS - O livro também avalia sobre a produção e circulação de bens simbólicos. Atualmente, como aborda à questão da indústria cultural em sala de aula?

Leonardo Boccia –
Discuto muito sobre os problemas da produção cultural de espetáculo, em sala de aula. E também abordo a falta de verba voltada para as produções criativas, que vão para os palcos ou que estão em cena. Além disso, avaliamos a possibilidade de revermos e, ao mesmo, tempo conversamos e produzimos artigos sobre esses assuntos. Assim, algumas produções analisam que não, apenas, devemos viver de apoio governamental. Mas que as pessoas entendam que um espetáculo, uma produção cultural, é de fato importante na sociedade. Já que, ninguém está fazendo favor algum quando comenta uma produção. E, menos ainda, quando fomenta uma produção. Essas coisas são bastante discutidas em sala de aula.

NPS - E quando o assunto é focado no comércio. Já que, os bens culturais são mercadorias, inclusive, regido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Como interpreta tal questão?

Leonardo Boccia –
Observamos que o poder de distribuição de alguns países é muito mais extraordinário que o de outras nações. Nesses países os bens simbólicos são muito bem estruturados e valorizados para a distribuição. Diferentemente, daqui, que responde com uma distribuição defasada, por enquanto, ainda, inicial em nível de nação. Se fosse, apenas, em termos de mercadorias resultaria apenas em diferenças de conta bancárias de cada país. Entretanto, o problema é que quando se trata de bens simbólicos, isso brota também, dessa destruição e modificação do poder criativo de cada nação. Cada país produz um bem material ou simbólico, mas alguns segmentos são convencidos de que o que vem de fora é bem produzido e superior. E, estamos sempre tentando recuperar, uma identidade de produção e, ao mesmo tempo, praticamos uma espécie de descaso para com as produções interna.

NPS - Por que alguns artistas têm problemas para produzir?

Leonardo Boccia –
Você não imagina a dificuldade que foi para produzir esse livro. Não temos segmentos que comentem a produção artística ou bens simbólicos. Estamos sempre procurando apoio como se fossem dádivas ou milagres. Sendo que na verdade isso é a espinha dorsal de um país. A grande estrutura de um país se constrói através desses bens material.

NPS - Questionar a indústria e a atual cena de espetáculos musicais é uma vertente do livro. Como analisa a relação entre ambas na cultura da Bahia?

Leonardo Boccia -
Um dos grandes problemas que avalio é o problema cultural. Que é herdado não só na Bahia, mas no Brasil. Isso no sentido de espetáculo, não no sentido de execução, atração ou da estética. Essa herança, esse legado cultural não é favorável à nação brasileira.

NPS - Em que sentido?

Leonardo Boccia -
Por exemplo, a construção do teatro, no Rio de Janeiro, vários dramaturgos brasileiros que produziram cinco ou seis peças não puderam dar mais continuidade as suas produções. Pelo fato, de suas obras não serem encenadas. Por outro lado, são apresentados espetáculos de países como França, Espanha, Itália..., inclusive, trazendo grandes companhias. O problema é que olham para a Europa ou Estados Unidos como os grandes celeiros da cultura. Esquecendo-se que aqui existe uma originalidade extraordinária. Porém, por falta de incentivo não existem continuidade das produções. Muitos dramaturgos desistiram da carreira e foram procurar outras atividades. Outro exemplo está na área da música. Algumas pessoas ficam olhando para um show de uma banda de rock internacional como se fosse à única produção de fato original, e não é.

NPS - Atualmente, como analisa os incentivos para as produções culturais na Bahia?

Leonardo Boccia -
Existe uma verba restrita esse é o problema. E direcionada para projetos em andamentos. Isso significa que existe uma espécie de clientelismo. E os “clientes” que estão com outros projetos em andamentos são sempre beneficiados. Assim mantêm seus espetáculos e suas produções. Enquanto aqueles que não estão em andamento e que querem dá prosseguimento aos seus projetos são prejudicados.

NPS - Há um direcionamento dessa verba?

Leonardo Boccia -
Isso não é tão explicito, pois não sai diretamente de uma empresa para fazer um evento cultural. Atualmente, o que temos é um fado, no sentido, de que não precisa perdoar imposto algum para incentivar á cultura. E sim, fazer, exatamente, o contrário incentivar culturalmente as pessoas a entender o que nós fazemos.

NPS - O que seria o ideal para o Estado?

Leonardo Boccia -
Mais verbas tanto nacionais quanto internacionais. E não pensar em fazer política de posse. Pelo contrário, avisar: você não está perdendo dinheiro e sim contribuindo para uma “super” estrutura do Estado. Ou seja, de que não estão passando dinheiro para alguns desavisados, ou um pobre, "coitado" que faz música. Isso tem de mudar. Já que, acham que estão ajudando o artista ou músico a tentar sobreviver. Não é bem assim não.

NPS - Em geral, os artistas ajudam à nação, pois propagam os aspectos culturais de suas origens em outros locais. Então não pode haver uma inversão de valores....

Leonardo Boccia –
Mas, lamentavelmente, na Bahia ainda não se descobriu o sentido disso. Pois alguns artistas são usados no sentido político, mas não fazem exatamente o contrário. A sociedade baiana deve ser contemplada sem perdoar os incentivos. Mas isso é complicado e difícil de ser tratado. Por que o capital sempre fala mais alto. Acredito que o problema é cultural, também das salas de aula, porque estamos participando de um grande bloco histórico.

NPS - Como docente, de que forma contribui em sala de aula para desmistificar que não existe mercado de trabalho para músicos eruditos na Bahia?

Leonardo Boccia -
Sou muito a favor do carnaval. Que o aluno pratique uma série de repertório sobre música. Mas, o mercado de trabalho não é apenas favorável para a musica erudita, como também existe tantos outros gêneros. Acontece que o mercado de trabalho está em construção pela mudança cultural. Também pelo processo de velocidade, já que (tanto na Bahia como em outros estados muitos instrumentistas de formação erudita) tem participado de gravações e de shows com artistas de diversas áreas. No sentido cultural, nem toda a música erudita é de boa qualidade, isso dentro da lógica de mercado. Embora, a música erudita na Europa ou nos EUA, tenha mais resposta em nível de vendagem de disco. Na Bahia não temos essa posição, mas isso não significa que não temos os grandes interpretes da música baiana. Existem diversos bons músicos que atuam no mercado de música popular e em estúdio de gravação. Inclusive passaram pela Escola de Música, e se formaram conosco. Temos muito orgulho disso.

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