terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Entrevista: Grandes músicos têm a capacidade de serem generosos


Baião instrumental

Devido à beleza de suas praias e do ritmo musical forró, o Estado do Ceará é bastante conhecido por esses dois aspectos típicos. Mas as preciosidades da região vão além da música e do cenário natural. Mais que isso, com uma trilha sonora recheada de jazz e blues. E tendo como palco uma cidade com temperatura entre 18 e 25 C, e infraestrutura gastronômica e hoteleira que fortalecem a disposição turística, certamente não poderia ser mais especial.

A bela e sossegada cidade é Guaramiranga no Ceará, localizada na serra do Baturité, distante de Fortaleza a 110 km, ela recebe há 14 anos, a edição do Festival Jazz & Blues, apresentando renomados shows de músicos da cena instrumental nacional e internacional, sempre no período do carnaval. O evento aconteceu de 9 a 12 lá, encerrando-se em Fortaleza nos dias 14 e 15, com música para ouvidos exigentes ou para àqueles que foram em busca de paz, tranqüilidade e, claro, atrás das novidades da cena musical local.

No domingo, dia 10, ocorreu à apresentação do show Baião Instrumental, com o duo formado por Waldonys, no acordeão, e Misael da Hora, no piano, que apresentaram um repertório de composições de Luiz Gonzaga em versão instrumental. Em entrevista ao blog Noite Ponto Som, antes de subirem ao palco, o músico Waldonys disse que começou a tocar com Luiz Gonzaga aos 15 anos. Já Misael da Hora conheceu o rei do baião ainda criança, pois seu pai, o maestro Rildo Hora, era amigo e produtor de Gonzaga nos anos 70. Os músicos estavam acompanhados de uma excelente banda formada por Eduardo Holanda (violões e guitarra), Miquéias dos Santos (baixo), Adriano Azevedo (bateria), e Gilson Monterio (zabumba e pandeiro). Confira a entrevista com eles abaixo.
Misael e Waldonys bases e improvisos em total sintonia
Noite Ponto Som - Como começou a sua carreira com a música instrumental?
Waldonys – Comecei por influencia do meu pai que também toca sanfona, ele não é um exímio instrumentista nunca estudou, mas por influência dele ouvi Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Marinês e Sua Gente, Trio Nordestino, Os 3 do Nordeste, entre outros. Participei de importantes projetos como Asa Branca, que era formado por Sivuca, Osvaldinho e Dominguinhos, isso foi muito bom, porque, a estrada me ensinou muito. Toquei com Seu Luiz Gonzaga, gravei o último LP dele pela RCA, gravei com Fagner, entre outros...

Eduardo Holanda (violões e guitarra)
Noite Ponto Som - Carreira singular e bonita...Em relação ao seu estudo com o instrumento, como se deu?
Waldonys - Primeiro comecei tocando de ouvido. Depois estudei um pouco no Conservatório de Música Alberto Nepomuceno em Fortaleza. Também estudei com outros grandes professores, mas sou mais de ouvido. Fui aprendendo a tirar música, pegando dicas com os grandes mestres e viajando nas turnês da vida, quando toquei com Sivuca, Dominguinhos, que foi um período bom demais. A música é também o que você escuta.
Noite Ponto Som - Falando em informações; viagens ou tocando em diferentes locais, como essas experiências se apresentaram na sua musicalidade?
Misael da Hora – O corpo a corpo, isto é, estar com um grande músico próximo é sempre super interessante e enriquecedor. Tive o prazer de ter algumas pessoas legais por perto. Trabalhei com Sivuca uma época, trabalho até hoje com meu pai, o maestro Rildo Hora. Fui aluno de Luiz Eça, que foi um grande referencial do piano no Brasil. Então essas pessoas, elas ficam sempre inventando, são sempre generosas. Os grandes músicos têm essa capacidade de serem generosos e passam as coisas, tipo; “olha descobrir isso, vê se funciona, faz isso neste momento, que vai dar um bom resultado”, então, tive essa sorte. Nasci num berço familiar dentro da música. E, fui uma pessoa, que convivi sempre com grandes músicos.

Misael da Hora
Noite Ponto Som - Como avalia a geração que busca informações de estudos na internet, acha interessante ou não?
Misael da Hora – Ela agrega. Hoje em dia, a pessoa tem condição de saber o que acontece no mundo, inclusive, a nível didático, além de pegar material de altíssima qualidade. Contudo, nunca vai substituir a presença do grande músico. A ida nos shows onde o músico estar apresentando suas vivências. Música tem essa coisa de vivência. 
Waldonys
Noite Ponto Som - Com relação aos obstáculos da cena de música instrumental. No Brasil, ela existe em segmentos e em estilos, contudo, a música comercial está prevalecendo sobre os estilos de musica instrumental...
Waldonys - Acho que existe espaço para todo mundo. Contudo, o espaço para o “comercialzão” é bem maior. A música instrumental, ela deveria e merecia ter mais espaço, as autoridades e os órgãos competentes deveriam melhorar essa questão. Ainda muitas pessoas não têm acesso à música instrumental. E, fica na história de partir, só para o lado comercialzão.

Misael Hora – Em países mais desenvolvidos existe apoio estatal para que a coisa aconteça. Agora, hoje em dia, posso dizer que é possível viver de música instrumental. Modestamente, não vai estar no topo igual ao super artista que está “bombando”, em tudo quanto é lugar. Mas dá para fazer um bom trabalho, está melhor do que era antes e o Brasil está caminhando neste sentido.

Noite Ponto Som - Para encerrar, qual a importância de tocar na edição de número 14 do Festival Jazz & Blues de Guaramiranga?
Waldonys - É bom demais. Pois podemos dividir o palco e a noite com outros artistas que às vezes nem conhecemos, como é o caso do cantor Marcos Lessa, que fiquei impressionado com o talento. Além disso, temos espaço, oportunidade e tem um público que se identifica com o que estamos fazemos. E o artista se sente bem também.

Miquéias dos Santos (baixo)
Noite Ponto Som - Antes de responder a pergunta sobre a importância de tocar no festival, como se conheceram?
Misael da Hora – É muito interessante essa história, porque, a comunicação foi instantânea. Foi num corredor de uma emissora de televisão. Eu estava com um instrumento de bolso e ele com o dele. Comecei a soprar daqui, ele apertar o fole de lá. Pouco depois estávamos tocando e fomos parar na televisão. Ele falou vem comigo que a apresentadora é minha amiga, que por acaso era também minha. Foi uma coisa muito instantânea e natural. E o legal é que não precisamos muito estabelecer, a coisa acontece na hora. Isso é o melhor, porque, não depende de tantos ensaios.

Noite Ponto Som - E com relação à importância de tocar no festival?
Adriano Azevedo (Bateria), Gilson Monteiro (Zabumba)


Fotografias - Nerivaldo Góes

Misael da Hora - Parabenizo a organização do Festival. Tenho uma trajetória com música instrumental fora do Brasil, pois morei cinco anos na Espanha, lá participei de grandes festivais de jazz. Estamos no mesmo nível tecnicamente deles, isto é, estamos subindo no palco com o maior conforto e apoiado tecnicamente com tudo que se possa imaginar de bom. Em alguns sentidos até melhor do que lá fora, porque, lá não se tem a boa vontade como o brasileiro tem para fazer um bom trabalho.