segunda-feira, 18 de maio de 2009

Entrevista – A percussão no meio do caminho

Cássia Maria começou na música há 33 anos, naquela época, a sanfona, foi seu primeiro instrumento oferecendo a uma boa formação musical. Paulistana da cidade de Santo André, suas primeiras apresentações aconteceram em festivais de música, onde tocava e cantava suas próprias canções. Inquieta na busca de encontrar novos sons iniciou-se como percussionista quando tinha 20 anos. Já como profissional em batidas e ritmos é considerada uma das mais experientes musicistas da cena alternativa de São Paulo. Agora, como interprete e compositora de suas músicas, acaba de lançar seu primeiro CD, De Cara Pro Sol, que perpassa por várias fases da sua carreira. Definido como música pop acústica o álbum, conta ainda com a participação especial de vários músicos de renome. Atuante na cena paulista, ela acompanha alguns grupos de Choros e artistas do campo independente. Em entrevista exclusiva ao blog NOITE PONTO SOM, esta musicista, avalia que alguns produtores culturais e mídia enveredaram por uma linha em divulgar artistas somente como forma de obter lucros ou para entreter, levando ao risco de julgamentos muito rápidos e superficiais as suas obras, o que não é bom para eles. Confira à entrevista.

NOITE PONTO SOM – O seu interesse pela música se deu quando?

Cássia Maria -
Comecei com 10 anos estudando sanfona. Depois fui migrando para outros instrumentos. Amo o cavaquinho, acho que todo percussionista toca cavaco, pois, todos que conheço tocam e gostam desse instrumento. Estudei em conservatório flauta doce por dois anos. Depois fui tocar violão. Aprendi o básico para poder compor. Quando tenho uma ideia melódica transformo no violão e faço as minhas músicas. Mas não estudei quase nada, peguei muita coisa em revistas especializadas. Fiz faculdade de Musicoterapia.

NOITE PONTO SOM – Quando ocorreu de tocar na noite?

Cássia Maria -
Comecei tocando em festivais na cidade de Mauá. Rolava muita música na minha adolescência, tinha uns amigos que tocavam. Como sempre fiz músicas comecei a participar cantando e tocando as minhas composições nesses festivais.


NOITE PONTO SOM – Quando optou por tocar percussão?

Cássia Maria –
A percussão pegou forte na idade dos 20 aos 30 poucos anos. Assim fiquei mais conhecida como percussionista.

NOITE PONTO SOM - Como se deu essa transição já que inicialmente começou tocando outros instrumentos?

Cássia Maria -
Foi o ciclo natural da vida se apresentando. Primeiro veio o violão. Depois o canto, fui então cantar. Depois se apresentou a percussão. As coisas foram mudando no seu curso. A vida foi transformando não foi nada pré decidido. Na percussão tenho uma carreira profissional, toco e ganho o meu pão de cada dia. Além disso, sou professora de música. Sobrevivo com a arte.

NOITE PONTO SOM – Quais são os instrumentos da área da percussão que toca?

Cássia Maria -
Uma infinidade de instrumentos. Os mais comuns com qual trabalho são o surdo, cuíca, berimbau, moringa. Acho um belo casamento o som do berimbau com a moringa. Percussionista é sempre muito ligado em sons, à mente é muito acesa. Por isso toco também instrumentos inusitados, além, daqueles que vêm da natureza. Falando em natureza, tudo vem dela, às vezes, esses instrumentos já estão prontos e só adiciono ao meu set.

NOITE PONTO SOM – Geralmente, além de festivais musicais, músicos (a) e cantores começam tocando em bar. Quais locais na sua época abriam espaço?

Cássia Maria -
Com 24 anos comecei a tocar nos bares onde rolava boa música como, Vou Vivendo, Bom Motivo..... Fui ficando conhecida naquele meio musical e passei a fazer shows.

NOITE PONTO SOM - Como assim fazer shows?

Cássia Maria -
Deixei de tocar em bares. Pois tem muita fumaça e música para entreter. O que não gosto. Já faz quase 15 anos que não toco mais em bares. Ou seja, trabalho fazendo shows sempre em locais fechados.

NOITE PONTO SOM – Atualmente, com quais grupos trabalha na noite paulista?

Cássia Maria -
Toco com três grupos. O Trio que Chora, é um deles, além de mim também fazem parte Marta Ozzetti e Rosana Bergamasco. Toco também com o grupo Choro de Moça, formado somente por mulheres que fazem choro. Além desses, trabalho com Vozes Bulgras, onde fazemos pesquisa em relação à música Búlgara, na linha índio e negro. Tenho trabalhado também com o grupo À Quatro Vozes. Fora isso, acompanho outros cantores como Socorro Lira, Aurora Maciel, Kátia Teixeira e Consuelo de Paula que são nomes do campo independente.

NOITE PONTO SOM – Quando foi lançado o seu primeiro disco - De Cara Pro Sol? Para fazer o álbum contou com recursos de organismo público?

Cássia Maria –
O disco saiu em dezembro de 2008, em janeiro foi se espalhando. Fiz mil cópias. A produção foi totalmente independente. Já apresentei o disco no evento promovido pelo - Conversa com Verso, um espaço onde ocorre um bate papo com o público apresentando a obra para a plateia. Fiz um pocket show na Livraria da Vila. Então estamos começando a abrir espaço.

NOITE PONTO SOM - De Cara Pro Sol é um disco que perpassa por várias fases da sua carreira?

Cássia Maria –
São composições minhas e não tem muito a ver com a percussão. Tem uma música que fiz quando tinha 17 anos. Apresentei essa música no primeiro festival do qual participei e chama-se Meu Anjo. Fui colocando outras composições que fazem parte do percurso da minha vida, por exemplo, têm músicas que foram feitas recentemente. Levei dois anos para fazer esse disco, não tinha pretensão de fazer um álbum, mas de somente registrar as canções. Contudo quando entrei em estúdio um amigo o Jardel Caetano, foi fazendo as harmonizações, achei bonito e resolvi fazer o CD. O disco ficou legal, está sendo bem divulgado. São doze músicas minhas e somente em uma delas tem a parceria de Regina Machado, uma cantora bem conhecida em São Paulo.

NOITE PONTO SOM – Quais gêneros musicais são trabalhados no disco e como define seu som?

Cássia Maria -
O disco é Pop-Zen, pois tem reggae, sambinha, ou seja, um som pop limpo totalmente acústico.

NOITE PONTO SOM – São Paulo é um lugar digamos onde a coisa “acontece” para muitos artistas. Como avalia esse cenário no qual vive diariamente?

Cássia Maria -
A música independe está um pouco sem espaço. São Paulo é uma cidade aberta a todos os sons e por ser aberta enche, todos convergem para cá. Tem muita gente boa, muita gente capaz. O Brasil é um celeiro de música onde as pessoas têm uma musicalidade excelente. È uma grande capital, uma grande metrópole, mas está carregada e essa crise abalou geral, principalmente, a cultura e nessas crises o primeiro que se tira ajuda e incentivo é da arte e da educação.

NOITE PONTO SOM - Por mais que esteja “cheio”, não acha que falta atitude de alguns produtores para realizar eventos?

Cássia Maria -
Acho que não interessa muito para os produtores e para a mídia investir, pois, na produção independente a maioria dos artistas não são muito conhecidos do público. A não ser que apresente algo com a “cara” de que vai dar lucro ou que tenha a participação de algum convidado famoso, assim torna-se mais fácil de conseguir as coisas. Senão vem aquele discurso; você é independente, não é conhecido e desejamos público, retorno...

NOITE PONTO SOM - Como lida com as novas ferramentas tecnológica na sua música?

Cássia Maria -
Uno o acústico com o eletrônico. Uso uma percussão sampleada em uma das músicas que fiz. Ficou muito interessante. Não gosto de nada de eletrônico, mas achei a P10 da Roland maravilhosa, tem o timbre exato do instrumento. Dessa forma coloquei em algumas músicas. E ficou bom.

NOITE PONTO SOM - Alguns segmentos musicais banalizam a figura da mulher seja nas letras ou até na coreografia em suas músicas. Como você avalia essas questões?

Cássia Maria -
Embora, estejamos em alguns pontos avançando, a figura da mulher tem um lugar muito insignificante em todas as áreas, não só nas artes. Ela é muito precisa para estar nesse lugar em que estar, vivemos ainda em um país muito patriarcal e machista. A mulher é diminuída no que pode. Falando como percussionista, avalio que têm muitas mulheres que tocam bem, mas os homens que também são bons músicos aparecem mais. Mas, enfim, não tem muito espaço para a mulher, no geral. Isso não é novo, infelizmente, é uma coisa muito antiga. Acredito que estamos caminhando embora muito lentamente para romper isso. As mulheres estão na luta, muita coisa mudou, mas é uma realidade o preconceito, somos engolidas por esse marxismo ignorante.

Para ouvir a artista acesse: http://www.myspace.com/cassiamaria1
Crédito da Foto da artista sentada no Carrón - Gal Meirelles

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Entrevista: Canções em tempo de produção independente

Paraibana da cidade de Brejo do Cruz, tendo na sua música forte sotaque regional, uma vez que, através do rádio conheceu as canções de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Clara Nunes, Marinês e as cantorias de viola. A cantora e compositora Socorro Lira, 35 anos, é uma talentosa musicista da fértil safra da música popular brasileira, surgida há tempos na esfera independente. Tendo lançando cinco discos, ela considera a indústria fonográfica não divulgadora de expoentes alternativos culturais, porém, afirma haver espaço para diversos gêneros. Contudo, a crítica da cancionista se volta para artistas que não se posicionam no mercado, isto é, assumem critérios estabelecidos pela indústria, sem ao menos revelarem seus pensamentos. Se dependesse de sua própria vontade, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), criado para taxar locais ou empresas que oferece a seus clientes o encanto ou aborrecimento da música ambiente, gravada ou ao vivo, já teria deixado de existir há muito tempo. Em entrevista ao blog NOITE PONTO SOM, Lira avalia que os suportes CDs-DVDs, terão ainda vida longa, ao contrário da visão de alguns especialistas que professam existência curta aos formatos. A compositora em 1985, saiu da roça e iniciou-se ao violão como autodidata vindo, mais tarde, a aprofundar os estudos desse instrumento na universidade de Campina Grande. Permaneceu em Campina até 2004, ano em que resolve fixar residência na capital paulista. Eis à entrevista abaixo......ah....saudações ao nascimento!!!.... Viva Bia!!

NOITE PONTO SOM - Como surgiu a ideia de fazer o show Cordelirando – Mulher também faz Cordel, em Salvador?

SOCORRO LIRA -
Há uns três anos atrás Fanca, uma amiga minha conterrânea da beata Maria de Araújo, apresentou-me a poesia de Salete Maria. E gostei muito. Além disso, Fanca me sugeriu que musicasse algo de Salete. Como levo muito a sério essas sugestões que veem de fora, pois, pelo menos boa parte delas fazem muito sentido. Passei a ler as coisas de Salete, até que um dia parei para ver direito esse cordel da beata, uma peça já escrita para teatro. Musiquei e gostei do resultado. Então comecei a decorar o texto e estreei em um projeto do Sesc Santana, em São Paulo, chamando de Cordel Desdobrado. Vi que as pessoas, como eu, gostaram de ouvir essa história re-contada desse jeito. Dessa forma, de lá pra cá, venho introduzindo detalhes ao texto, como gestos performáticos, vozes e instrumentos; assim é que chegamos ao ponto em que estamos. Mas creio que há muito que melhorar e para acrescentar ao espetáculo que vai se re-compondo a cada apresentação.

NOITE PONTO SOM - Como faz para negociar sua obra, já que não tem contrato com gravadoras.

SOCORRO LIRA -
Dou de graça para quem quiser cantar ou gravar. Se tiver alguém, querendo gravar uma canção minha e, ainda, assim puder dar algum para o laboro aceito, porque preciso pagar as contas. Quanto às grandes gravadores, essas não sabem que existo. Aliás, muitas delas não se interessam por quem pensa por quem se posiciona. Elas querem “artistas” fabricados, pau - mandado, que tem de sorri o tempo todo, dizer que o mundo é cor-de-rosa e abrir os dentes toda vez que alguém da televisão liga uma câmera à sua frente. A grande indústria da música e do entretenimento quer pessoas incapazes de fazer uma reflexão sobre esse mundo miserável e inútil criado pelo capital, e que nós todos (as) ajudamos a manter. Esse mundo é ditado por ricos gananciosos e levado nas costas por nós que trabalhamos na música, na imprensa, na agricultura ou em qualquer outra repartição onde a gente se mata de tanto trabalhar. Nesse sentido, vivo um paradoxo. De um lado acredito que a arte é coletiva e que a música que faço não é só minha; e, em determinadas circunstâncias, sou contra a esse negócio de “direito autoral” que abriu espaço para o comércio da arte e do pensamento e, conseqüentemente, para essa promiscuidade desse setor empresarial. Quanto vale um pensamento? E um sentimento? Entretanto, vivo entre uma coisa e outra, tentando não vender minha alma nem a deus, nem ao diabo. Não é um absurdo eu ter que pedir permissão ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) para cantar minha própria composição? Eu não gostaria de fazer parte desses esquemas, mas sou obrigada, do contrário não me deixam trabalhar.

NOITE PONTO SOM – Assim a vantagem é ter gestão própria?

SOCORRO LIRA -
Uma vantagem é não ter rabo preso com ninguém e assim posso cantar como quero, dizer o que penso gritar quando devo e chorar quando preciso. Mas tem um preço.

NOITE PONTO SOM - Como define a música que faz?

SOCORRO LIRA -
Não sei definir. Acho que se parece comigo, só, é minha cria.

NOITE PONTO SOM - Seu último disco, Intersecção a Linha e o Ponto - além de arranjos muito bem trabalhados e da suas ótimas interpretações para as canções, têm um trabalho visual belíssimo. Como surgiu essa ideia?

SOCORRO LIRA -
Essa arte é de Kátya Teixeira, uma artista de São Paulo. Como o conteúdo do CD tem a ver com a visão, ainda que limitada, que tenho da vida e do mundo, ela trabalhou detalhes como o olhar, por exemplo. Tudo simples, simples e bonito.

NOITE PONTO SOM - Tiveram algum apoio financeiro? Lei de incentivo à cultura ou algo do gênero?

SOCORRO LIRA -
Esse projeto em especial sim. Foi contemplado pelo programa Petrobras Cultural 2004-2005, via Lei Rouanet. Com criatividade e algum dinheiro é possível fazer coisas interessantes.

NOITE PONTO SOM - Quando compõe se prende mais na parte melódica ou nas poesias das músicas?

SOCORRO LIRA -
Depende... Gosto de fazer as duas coisas. Penso a canção como um corpo que tem osso, músculo, pele, respiração. Respectivamente, por analogia, a canção tem a letra, a melodia, o arranjo e a mensagem.

NOITE PONTO SOM - Houve algum arranjo complicado do ponto de vista da criação?

SOCORRO LIRA -
Essa parte de arranjo prefiro confiar a alguém melhor que eu, que tenha bom conhecimento da escrita musical. Geralmente trabalho com Jorge Ribbas (produtor musical), que faz meus CDs desde o começo, lá pelos idos 2000. Mas quando alguma coisa não me agrada, eu chamo um músico e digo toque assim, toque assado... até eu ficar contente!. Outra possibilidade que uso bastante é dizer para o músico que vai gravar um instrumento sobre uma base já pronta o seguinte; toque aí como você quiser.... E, geralmente, fazem improvisos maravilhosos que entram para o CD.

NOITE PONTO SOM - Entre todos os seus arranjos, há um favorito?

SOCORRO LIRA -
Ah, não saberia dizer. Em um momento me surpreendo mais com esse, em outro momento com aquele......

NOITE PONTO SOM - Como você vê o atual panorama da música popular brasileira?

SOCORRO LIRA -
Uma grande confusão acerca do que tem mesmo ou não um valor artístico. Basta fulano (a) tocar em algumas “rádios” - ainda que sob o preço de altos jabás - a multidão, “induzida”, acredita que aquela pessoa é artista. Por que não muito longe do nosso tempo, ser artista era outra coisa: a pessoa tinha que ter um talento nato para uma atividade, desenvolver esse talento e ser referendado, só por esse mérito e pelo público. Agora qualquer pessoa que aparece num programa qualquer de TV vira artista, famosa por nada. Eu não me sinto artista não. Acho que sou uma operária das palavras e da música, trabalho um aspecto disso para garantir a cesta básica. Porque criar, isso sim está totalmente fora da internet, do mercado, dos selos e das gravadoras, dos MP3s... Criar estar “dentro”, em algum lugar que só se sente. Vejo... Aliás, não vejo bem, nesse momento. O cenário atual, não apenas nas artes, mas em todos os espaços da vida, parece-me nublado.
NOITE PONTO SOM - Estamos num momento digamos de mudança na indústria musical, muito se discute sobre a sobrevivência deste (CD) ou daquele formato (Vinil). Como você avalia essa questão tecnológica?

SOCORRO LIRA -
Hipóteses. Ainda não sabemos o que virá como suporte físico para o som depois do anunciado fim do CD. Por enquanto ainda é o CD e o DVD. Pessoalmente, acho que o CD chega mais que o DVD porque, necessariamente, não se precisa parar diante de um aparelho de TV para ouvir o som. Enquanto se arruma a casa ou se dirige um carro, por exemplo, ouve-se uma canção. Uma questão a se considerar com relação às mídias de suporte de áudio, é que ficou muito fácil copiar um CDR, comprado ao preço de R$ 0,40. Entretanto, não reclamo dessa forçada distribuição da música como produto cultural. O que mais me preocupa é a qualidade da coisa que é dita, é o que se passa para população, como mensagem, através disso que se chama música; seja pela internet, pelo rádio ou pela TV. Preocupa-me o fato de o critério de escolha das programações seja a grana, o lucro em detrimento da arte. Mas creio que o CD e o DVD ainda terão algum tempo de sobrevida, até que algo mais eficaz os substitua, espero.

Para ouvir a artista acesse
http://www.myspace.com/socorrolira

Créditos das fotos – Alexandre Andredade, Kazuo Kajihara.
Arte gráfica - Duda Bastos