quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Entrevista: músico de múltiplas experiências


Nascido em 1977, em São Luiz, Cássio Nobre, de 31 anos, é um dos nomes mais criativos do cenário musical alternativo soteropolitano. Representante do mais legítimo espírito maranhense toca diversos instrumentos musicais como viola, berimbau de arco, guitarra, baixo fretless, alaúde, atabaques, zabumba e pandeiro. Ainda, acumula passagens por extintas e importantes bandas da cena baiana como Dois Sapos e Meio e Volume Zero, além de ser músico acompanhante já gravou com diversos artistas. Cássio Nobre é também Etnomusicólogo. E segundo ele a transmissão oral no que se refere à música de samba tocada por violeiros tradicionais está aos poucos acabando, pois a nova geração de músicos opta por tocar cavaquinho ao invés de viola. Em entrevista cedida ao blog Noite Ponto Som, embaixo de um pé de cajueiro nos arredores do condomínio onde mora na orla de Salvador, ele que é casado e pai de uma garotinha, falou sobre parcerias musicais, carreira e de como produziu o seu disco - Última Pele. Com passagens pela África e Europa e com uma forte relação com as linguagens do circo o músico produziu ainda dois discos infantis na soterópolis. Confira à entrevista.

NOITE PONTO SOM - Quando se deu o seu primeiro contato com a música?

Cássio Nobre –
Aconteceu quando cheguei à Bahia (1987), em pleno carnaval. Nunca tinha visto nada igual antes, pois, sou do Maranhão e tinha uns nove para dez anos. Fiquei impressionado com a festa. Em seguida, eu e meu irmão ganhamos um violão de meu tio. Então ele começou a tocar. Eu fiquei curioso com o som queria também tocar, mas não pegava no instrumento. Nesta época, meu irmão estava muito empolgado com a música, assim me interessei em tocar bateria, pois curtia o som da percussão. Ele comprou uma guitarra, mas não levou a coisa muito adiante. Parou de tocar. Os instrumentos ficaram engavetados e fui pegando. Com uns doze anos comecei a tocar violão e guitarra. Aprendi algumas coisas com meu irmão, mas evolui rápido. Depois passei a tocar teclado e a estudar teoria musical sozinho. Aos quatorze anos comecei a tocar contrabaixo sendo este um instrumento que me acompanha até hoje na minha trajetória de músico.

NOITE PONTO SOM – Você ouvia o quê nesta época?

CÁSSIO NOBRE -
No início ficava mais curtindo a música. Mas passei a escutar muita coisa que meu irmão ouvia como o rock inglês (Beatles, Smiths, Dire Straits, etc.). Depois comecei a escutar música brasileira e lembro-me que na época rolava muito Luiz Caldas, Banda Reflexu’ s e Olodum. Ouvi também muito rock pesado como Iron Maiden, Rage Against the Machine, Faith no More... e, ao mesmo tempo, curtia música brasileira como Mutantes e Secos Molhados. Sempre tive afinidade com bandas de rock que misturam o som a ritmos brasileiros. Eu curtia o rock gringo, porém, sabia que era uma coisa distante, então queria sempre tocar algo mais brasileiro.

NOITE PONTO SOM – Quando rolou de montar a primeira banda?

CÁSSIO NOBRE -
Logo depois dessa fase me juntei com o amigo Daniel Lage, que estava no mesmo processo de aprendizado que eu. Tínhamos os mesmos interesses musicais; pois ouvíamos e tocávamos as mesmas coisas, assim montamos à primeira banda. Ela se chamava Os Bazófios. Daniel Lage foi o meu primeiro parceiro musical. Além de mim, a banda era formada por Nikima (ex-vocalista da banda Lampirônicos), Daniel e um batera que sumiu do mapa. Todos estudavam no colégio Social, (ISBA, em Salvador), e o primeiro show ocorreu lá numa Mostra de Som. Depois disso foram surgindo outros projetos. E aquela coisa de fazer som sem compromisso foi rolando rotineiramente e virando banda. Aconteceu assim com o grupo Volume Zero (1997-1999), que era um som instrumental. Nesta formação tinha eu, Daniel e o baterista Maurício Mão de Onça. E como sempre toquei contrabaixo e guitarra tocava um ou o outro instrumento em bandas diferentes. Lembro que montei uma banda chamada Dama de Cópula (1995-1996), e tinha um cara, que também fazia o mesmo que eu. Então ficávamos revezando de instrumentos durante os shows.

NOITE PONTO SOM – A sua aprendizagem musical se deu de que forma?

CÁSSIO NOBRE –
Eu tinha uma coleção de vinis e lembro que meu primeiro disco foi Thriller de Michael Jackson. Curtia muito o solo de guitarra dessa música. Não sabia quem estava tocando, mas gostava do som. Só depois é que soube que era o guitarrista Van Halen. E isso foi para mim à primeira parte do meu processo de aprendizagem, ou seja, aprender pelo que se ouve. Fui absorvendo naturalmente no dia-a-dia o som, tirando as notas de ouvido. Deste modo desenvolvi a percepção musical para um estágio em que eu tocava sem saber exatamente o que estava tocando. Comecei autodidata.

NOITE PONTO SOM – Quando chegou o momento em que você sentiu que precisava estudar teoria musical?

CÁSSIO NOBRE –
Quando fui cada vez mais me interessando pela música e aprofundando o meu conhecimento sobre ela. Portanto fui estudar teoria mais a fundo, já que sentia necessidade de compreender essa parte musical. Então comecei a estudar sozinho. Contudo sempre trocava algumas idéias com os colegas sobre harmonia, acordes e solos, pois já desenvolvia esses esquemas na parte de improvisação com as escalas tiradas de ouvido.

NOITE PONTO SOM - Ou seja, aprendeu muitas coisas de ouvido, antes de estudar a parte teórica.

CÁSSIO NOBRE -
Sim. Depois quando comecei a ler partitura senti a necessidade de ir para a escola de música da Ufba (EMUS). Entrei no curso de extensão e conclui as oficinas entrando no básico, mas não cheguei a terminá-lo. Ao todo fiz uns três anos de curso estudando violão. E durante algum tempo estudei contrabaixo acústico, mas foi por pouco tempo. Nesta época, desenvolvi tecnicamente, além da postura a parte teórica de escrita e leitura, coisas que eu não conhecia. Porém, a bagagem mais consistente do meu aprendizado foi tocando com os amigos, fazendo shows em bares, tirando músicas de ouvido em casa e também tocando muitas horas durante o dia. Essa época da escola foi muito boa, mas não foi à base principal, por isso, sempre falo que sou mais autodidata do que outra coisa.

NOITE PONTO SOM - Você chegou a fazer vestibular para música, já que alguns músicos se preparam nos cursos de oficina e básico para prestar o exame?

CÁSSIO NOBRE -
Teve sim uma época em que pensei fazer vestibular para música, mas não fiz. Optei por fazer História. E durante o meu curso sempre direcionava as disciplinas para algo voltado para a área de cultura como história da cultura, cultura baiana, antropologia..... Essa é uma área que sempre tive interesse e, claro, sempre buscava temas próximos da música.

NOITE PONTO SOM – O seu trabalho final de curso voltou se para quê, já que a música sempre esteve com você?

CÁSSIO NOBRE -
Foi sobre História de Cordel. Que em alguns casos são também cantadores e violeiros. Falei sobre essas pessoas.

NOITE PONTO SOM – E continuou pesquisando sobre música?

CÁSSIO NOBRE –
Sim. Fiz mestrado em música na área de Etnomusicologia. O projeto voltou-se para pesquisar os violeiros de samba do recôncavo. No último trabalho em que participei, como membro da Associação Sócio-Cultural Umbigada, acompanhei a gravação de um CD e um DVD ("Cantador de Chula", a ser lançado em 2009) com mestres de sambas de rodas de comunidadestradicionais no Recôncavo. Também auxiliei na parte de gravação de áudio deste trabalho.

NOITE PONTO SOM – A sua pesquisa foi participante?

CÁSSIO NOBRE -
Entrevistei o pessoal e conheci a vida das pessoas bem de perto. Deste modo acompanhei gravações de sambas de rodas e das comunidades tradicionais. Também coordenei a parte de gravação dando auxílio na parte técnica. Ou seja, tenho trabalhado mais como etnomusicólogo do que como músico.

NOITE PONTO SOM – Esses grupos que você observa são de que localidades do recôncavo?

CÁSSIO NOBRE -
São de Simões Filho, Mar Grande na Ilha, Saubara, Santo Amaro, São Bras que é próximo de Santo Amaro chegando até Cachoeira, São Felix e Maragogipe. E têm alguns grupos que estão do outro lado do recôncavo, ou seja, entrando mais para o Sertão, nas áreas de Santo Estevão e Antônio Cardoso. Samba é o que não falta na Bahia, mas com esse estilo de recôncavo somente nestes lugares. E todos são ótimos.

NOITE PONTO SOM – Em seu trabalho a análise é do processo já acabado do CD ou, por exemplo, você vai lá e pesquisa como a música está se processando?

CÁSSIO NOBRE -
È legal você ter perguntado isso. Pois algumas pessoas têm a idéia de que a música é fixa principalmente, quando se referem a esse grupos, comunidades e tradições, uma vez que é algo que vem de muito tempo atrás. Então imaginam que à música está sempre do mesmo jeito e que é imutável, mas na verdade é. No meu trabalho, uma das minhas observações, é justamente observar a questão da transformação musical. O que ocorre de mudança nessas comunidades? comparo os tocadores, violeiros e cantores mais velhos e avalio o que é que eles sabem, e o que a nova geração está aprendendo. E, atualmente, a coisa é bem difusa. Pois existe uma lacuna enorme nesta comparação, porque às vezes o mais velho não consegue transmitir a informação para nova geração. Essa “nova” geração que, por exemplo, toca viola está deixando de tocar esse instrumento para se dedicar ao cavaquinho. Pois é um pouco mais fácil, ou têm poucas cordas. Além disso, na maioria das vezes, eles ouvem bastante os grupos de pagodes que tem por aí. E dessa forma o primeiro instrumento da “nova” geração já é o cavaquinho mesmo que o avô dele seja violeiro. O elo do conhecimento e do instrumento já rompeu. Ou seja, antes a música era transmitida de forma tradicional, oralmente e agora não. E isso é um exemplo de transformação.

NOITE PONTO SOM – Você avalia que isso seja fruto do apelo midiático, já que rola uma massificação da música comercial baiana em algumas rádios e emissoras de TVs local?

CÁSSIO NOBRE -
Com certeza. Tem um pesquisador (Ralph Waddey), que fez um trabalho nos anos 70, e que na naquela época conheceu muitos violeiros e sambadores bons que estavam em atividade, porém, muitas dessas pessoas já morreram. E muitos dos seus familiares saíram do interior, ou vieram para a capital perdendo-se assim todo o conhecimento tradicional e oral do samba. Atualmente, existe até um paradoxo porque se têm mais recursos para registrar, mas a comunicação entre as gerações é muito difícil até, por causa, da velocidade da informação. E sem falar no apelo midiático, que desperta interesse em seguir outros caminhos sendo isso um dos fatores de interferência nesse processo.

NOITE PONTO SOM – O modo de tocar é perceptivo se comparado entre a geração das antigas com a atual?

CÁSSIO NOBRE -
A geração mais nova toca de uma maneira completamente diferente se for comparada com os mais antigos. Eles tocam coisas mais parecidas com o que está na mídia, diferente daquilo que era transmitido pelos tocadores tradicionais.

NOITE PONTO SOM – Você lançou seu primeiro disco em 2007, queria que você falasse o porquê de intitulá-lo A Última Pele?

CÁSSIO NOBRE -
O nome foi dado a partir de uma música feita com CH (baixista da banda Retrofoguetes que tocou também com Cássio na extinta banda Dois Sapos e Meio), e foi em uma temporada em que compomos muitas músicas. Essa música é dele. Eu fiz alguns arranjos, mas fiquei com ela na cabeça durante um tempão. Ela tem letra e fala sobre um lado real para se abrir para algo autêntico. A música não entrou no CD, mas acabei resolvendo colocar esse nome no disco.

NOITE PONTO SOM – Esse é um disco que conta com muitas participações?

CÁSSIO NOBRE –
Sim. É um trabalho autoral com músicas minha e feito em parceria com outros músicos e compositores. Tem três músicas em parceria com CH, uma com Jonga Lima, (vocalista do grupo Coletivo Circo que dá Samba) e uma com Tito Bahiense (compositor e backing de Ivete Sangalo). O restante das composições é de minha autoria.

NOITE PONTO SOM - Esse disco foi uma junção de músicas de sua autoria que perpassou por várias fases?

CÁSSIO NOBRE -
Sim. São músicas desde a época da banda Dois Sapos e Meio (1994-2001) até a feitura do disco. Foi uma necessidade de rever todo esse período de composições: como as coisas instrumentais que havia feito com a banda Volume Zero e de algo mais pesado da época dos Dois Sapos e Meio. Também de coisas minhas que eu criei com a viola desde 2000. Algumas músicas são de dez, doze anos atrás. Tem músicas do período em que morei na Espanha, na Holanda e na África (2003-2005). A mais recente é de 2005, quando nasceu minha filha Loa.
NOITE PONTO SOM – Quem fez a produção do disco?

CÁSSIO NOBRE –
Eu mesmo. Contei com o apoio de Jonga Lima e de Jorge Solovera (músico de estúdio) na parte da gravação. Solovera fez um trabalho de mixagem e remasterização muito bom, perfeito. Depois tive que fazer a coisa acontecer, ou seja, correr atrás de patrocínio, pois já estava com as músicas prontas, mas não tinha grana para lançar o disco. Fiz um projeto que primeiramente mandaria para o FazCultura, só que surgiu o edital do Banco do Nordeste para o programa de cultura. Mandei e o projeto foi aprovado. Em 2007 o disco foi lançando no teatro do Irdeb na TVE, e foi massa, porque, contou com a participação de muitos músicos, ou seja, da cantora Mariela Santiago, do saxofonista Roney Scott, do antológico baixista dos Novos Baianos Didi Gomes e de outras figuras. Do baterista Emanuel Venâncio, aliás, sempre quando vou tocar chamo ele, esse cara é punk! E CH também tocou. O show de lançamento contou com a participação de muitos dos músicos e intérpretes convidados no CD, além de outros amigos como Júlio Caldas e Lívia Mattos. No ano de 2008 fui chamado para fazer o III Festival BNB de Música Instrumental, um festival Itinerante, que rolou no Ceará e na Paraíba, nos centros culturais do próprio banco. Para irmos para lá conseguimos apoio da Fundação Cultural do Estado da Bahia para as passagens.

Para conhecer mais sobre o trabalho do músico acesse www.myspace.com/cassionobre

Créditos de fotos do músico em palco são de Ilo Alves, Velma Zehd e Monica Jurberg.