segunda-feira, 4 de maio de 2009

Entrevista: Canções em tempo de produção independente

Paraibana da cidade de Brejo do Cruz, tendo na sua música forte sotaque regional, uma vez que, através do rádio conheceu as canções de Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Clara Nunes, Marinês e as cantorias de viola. A cantora e compositora Socorro Lira, 35 anos, é uma talentosa musicista da fértil safra da música popular brasileira, surgida há tempos na esfera independente. Tendo lançando cinco discos, ela considera a indústria fonográfica não divulgadora de expoentes alternativos culturais, porém, afirma haver espaço para diversos gêneros. Contudo, a crítica da cancionista se volta para artistas que não se posicionam no mercado, isto é, assumem critérios estabelecidos pela indústria, sem ao menos revelarem seus pensamentos. Se dependesse de sua própria vontade, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), criado para taxar locais ou empresas que oferece a seus clientes o encanto ou aborrecimento da música ambiente, gravada ou ao vivo, já teria deixado de existir há muito tempo. Em entrevista ao blog NOITE PONTO SOM, Lira avalia que os suportes CDs-DVDs, terão ainda vida longa, ao contrário da visão de alguns especialistas que professam existência curta aos formatos. A compositora em 1985, saiu da roça e iniciou-se ao violão como autodidata vindo, mais tarde, a aprofundar os estudos desse instrumento na universidade de Campina Grande. Permaneceu em Campina até 2004, ano em que resolve fixar residência na capital paulista. Eis à entrevista abaixo......ah....saudações ao nascimento!!!.... Viva Bia!!

NOITE PONTO SOM - Como surgiu a ideia de fazer o show Cordelirando – Mulher também faz Cordel, em Salvador?

SOCORRO LIRA -
Há uns três anos atrás Fanca, uma amiga minha conterrânea da beata Maria de Araújo, apresentou-me a poesia de Salete Maria. E gostei muito. Além disso, Fanca me sugeriu que musicasse algo de Salete. Como levo muito a sério essas sugestões que veem de fora, pois, pelo menos boa parte delas fazem muito sentido. Passei a ler as coisas de Salete, até que um dia parei para ver direito esse cordel da beata, uma peça já escrita para teatro. Musiquei e gostei do resultado. Então comecei a decorar o texto e estreei em um projeto do Sesc Santana, em São Paulo, chamando de Cordel Desdobrado. Vi que as pessoas, como eu, gostaram de ouvir essa história re-contada desse jeito. Dessa forma, de lá pra cá, venho introduzindo detalhes ao texto, como gestos performáticos, vozes e instrumentos; assim é que chegamos ao ponto em que estamos. Mas creio que há muito que melhorar e para acrescentar ao espetáculo que vai se re-compondo a cada apresentação.

NOITE PONTO SOM - Como faz para negociar sua obra, já que não tem contrato com gravadoras.

SOCORRO LIRA -
Dou de graça para quem quiser cantar ou gravar. Se tiver alguém, querendo gravar uma canção minha e, ainda, assim puder dar algum para o laboro aceito, porque preciso pagar as contas. Quanto às grandes gravadores, essas não sabem que existo. Aliás, muitas delas não se interessam por quem pensa por quem se posiciona. Elas querem “artistas” fabricados, pau - mandado, que tem de sorri o tempo todo, dizer que o mundo é cor-de-rosa e abrir os dentes toda vez que alguém da televisão liga uma câmera à sua frente. A grande indústria da música e do entretenimento quer pessoas incapazes de fazer uma reflexão sobre esse mundo miserável e inútil criado pelo capital, e que nós todos (as) ajudamos a manter. Esse mundo é ditado por ricos gananciosos e levado nas costas por nós que trabalhamos na música, na imprensa, na agricultura ou em qualquer outra repartição onde a gente se mata de tanto trabalhar. Nesse sentido, vivo um paradoxo. De um lado acredito que a arte é coletiva e que a música que faço não é só minha; e, em determinadas circunstâncias, sou contra a esse negócio de “direito autoral” que abriu espaço para o comércio da arte e do pensamento e, conseqüentemente, para essa promiscuidade desse setor empresarial. Quanto vale um pensamento? E um sentimento? Entretanto, vivo entre uma coisa e outra, tentando não vender minha alma nem a deus, nem ao diabo. Não é um absurdo eu ter que pedir permissão ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) para cantar minha própria composição? Eu não gostaria de fazer parte desses esquemas, mas sou obrigada, do contrário não me deixam trabalhar.

NOITE PONTO SOM – Assim a vantagem é ter gestão própria?

SOCORRO LIRA -
Uma vantagem é não ter rabo preso com ninguém e assim posso cantar como quero, dizer o que penso gritar quando devo e chorar quando preciso. Mas tem um preço.

NOITE PONTO SOM - Como define a música que faz?

SOCORRO LIRA -
Não sei definir. Acho que se parece comigo, só, é minha cria.

NOITE PONTO SOM - Seu último disco, Intersecção a Linha e o Ponto - além de arranjos muito bem trabalhados e da suas ótimas interpretações para as canções, têm um trabalho visual belíssimo. Como surgiu essa ideia?

SOCORRO LIRA -
Essa arte é de Kátya Teixeira, uma artista de São Paulo. Como o conteúdo do CD tem a ver com a visão, ainda que limitada, que tenho da vida e do mundo, ela trabalhou detalhes como o olhar, por exemplo. Tudo simples, simples e bonito.

NOITE PONTO SOM - Tiveram algum apoio financeiro? Lei de incentivo à cultura ou algo do gênero?

SOCORRO LIRA -
Esse projeto em especial sim. Foi contemplado pelo programa Petrobras Cultural 2004-2005, via Lei Rouanet. Com criatividade e algum dinheiro é possível fazer coisas interessantes.

NOITE PONTO SOM - Quando compõe se prende mais na parte melódica ou nas poesias das músicas?

SOCORRO LIRA -
Depende... Gosto de fazer as duas coisas. Penso a canção como um corpo que tem osso, músculo, pele, respiração. Respectivamente, por analogia, a canção tem a letra, a melodia, o arranjo e a mensagem.

NOITE PONTO SOM - Houve algum arranjo complicado do ponto de vista da criação?

SOCORRO LIRA -
Essa parte de arranjo prefiro confiar a alguém melhor que eu, que tenha bom conhecimento da escrita musical. Geralmente trabalho com Jorge Ribbas (produtor musical), que faz meus CDs desde o começo, lá pelos idos 2000. Mas quando alguma coisa não me agrada, eu chamo um músico e digo toque assim, toque assado... até eu ficar contente!. Outra possibilidade que uso bastante é dizer para o músico que vai gravar um instrumento sobre uma base já pronta o seguinte; toque aí como você quiser.... E, geralmente, fazem improvisos maravilhosos que entram para o CD.

NOITE PONTO SOM - Entre todos os seus arranjos, há um favorito?

SOCORRO LIRA -
Ah, não saberia dizer. Em um momento me surpreendo mais com esse, em outro momento com aquele......

NOITE PONTO SOM - Como você vê o atual panorama da música popular brasileira?

SOCORRO LIRA -
Uma grande confusão acerca do que tem mesmo ou não um valor artístico. Basta fulano (a) tocar em algumas “rádios” - ainda que sob o preço de altos jabás - a multidão, “induzida”, acredita que aquela pessoa é artista. Por que não muito longe do nosso tempo, ser artista era outra coisa: a pessoa tinha que ter um talento nato para uma atividade, desenvolver esse talento e ser referendado, só por esse mérito e pelo público. Agora qualquer pessoa que aparece num programa qualquer de TV vira artista, famosa por nada. Eu não me sinto artista não. Acho que sou uma operária das palavras e da música, trabalho um aspecto disso para garantir a cesta básica. Porque criar, isso sim está totalmente fora da internet, do mercado, dos selos e das gravadoras, dos MP3s... Criar estar “dentro”, em algum lugar que só se sente. Vejo... Aliás, não vejo bem, nesse momento. O cenário atual, não apenas nas artes, mas em todos os espaços da vida, parece-me nublado.
NOITE PONTO SOM - Estamos num momento digamos de mudança na indústria musical, muito se discute sobre a sobrevivência deste (CD) ou daquele formato (Vinil). Como você avalia essa questão tecnológica?

SOCORRO LIRA -
Hipóteses. Ainda não sabemos o que virá como suporte físico para o som depois do anunciado fim do CD. Por enquanto ainda é o CD e o DVD. Pessoalmente, acho que o CD chega mais que o DVD porque, necessariamente, não se precisa parar diante de um aparelho de TV para ouvir o som. Enquanto se arruma a casa ou se dirige um carro, por exemplo, ouve-se uma canção. Uma questão a se considerar com relação às mídias de suporte de áudio, é que ficou muito fácil copiar um CDR, comprado ao preço de R$ 0,40. Entretanto, não reclamo dessa forçada distribuição da música como produto cultural. O que mais me preocupa é a qualidade da coisa que é dita, é o que se passa para população, como mensagem, através disso que se chama música; seja pela internet, pelo rádio ou pela TV. Preocupa-me o fato de o critério de escolha das programações seja a grana, o lucro em detrimento da arte. Mas creio que o CD e o DVD ainda terão algum tempo de sobrevida, até que algo mais eficaz os substitua, espero.

Para ouvir a artista acesse
http://www.myspace.com/socorrolira

Créditos das fotos – Alexandre Andredade, Kazuo Kajihara.
Arte gráfica - Duda Bastos

Um comentário:

Anônimo disse...

Neri eu tenho dois disco dela gravado no meu computador, é um deleite ouvir ela, não a conhecia, isso venho acontecer a mais um menos uns dois meses, ela é muito boa cara.
abr. Derlyzão